Consolidar e normatizar direitos dos
jovens brasileiros e tornar as políticas de juventude uma questão de
Estado – e não mais à mercê da boa vontade de governos. Estas serão
algumas das prioridades da gestão da nova presidente do Conselho
Nacional da Juventude (Conjuve), Ângela Guimarães. Mulher, negra e
nordestina, ela tomou posse na semana passada, avançando mais um degrau
na sua trajetória marcada pela atuação não só na área de juventude, como
também na luta antirracista.
Em
um país em que cerca de 50 mil jovens são mortos de forma violenta por
ano – a maioria negros – e no qual o desemprego entre jovens é cerca de
três vezes maior que no restante da população, Ângela pretende trabalhar
para enfrentar essa realidade. Para isso, afirma que será necessária
muita articulação, pressão e mobilização.
Criado
em 2005, o Conjuve é responsável por “formular e propor diretrizes
voltadas para as políticas públicas de juventude, desenvolver estudos e
pesquisas sobre a realidade socioeconômica dos jovens e promover o
intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais”.
Segundo
Ângela, trata-se do “guardião” das resoluções aprovadas na Conferência
Nacional de Juventude, cuja última edição aconteceu em dezembro de 2011.
“O Conselho tem o grande desafio de fazer essas propostas virarem
realidade”, conta.
Nesta
entrevista ao Vermelho, ela fala da necessidade de aprovar o Estatuto
da Juventude e, em seguida, o Plano Nacional de Juventude. Ambos
tramitam no Congresso Nacional há anos. As duas matérias, quando
aprovadas, serão mais um passo para institucionalizar as políticas para
juventude.
Até
2005, quando foi criado não só o Conselho, mas também a Secretaria
Nacional de Juventude e o Projovem, a juventude era vista, no Brasil,
apenas como uma fase de transição entre a adolescência e a vida adulta.
Em função do Estatuto da Criança e do Adolescente, as políticas públicas
contemplavam pessoas até 18 anos. A partir dessa idade, todos passavam a
integrar o grupo de adultos, sendo incluídos nas políticas universais,
sem qualquer reconhecimento às suas particularidades.
Ângela,
que é baiana, é militante do PCdoB naquele Estado e já integrava o
Conjuve desde 2007. Até 2010, ela fazia parte do conselho como
representante da sociedade civil. A partir do ano passado, passou a
fazê-lo como membro do governo federal. Ela é secretária adjunta
nacional da Juventude. Foi dirigente da União da Juventude Socialista
(UJS) e da União de Negros pela Igualdade e coordenadora geral do DCE da
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O
atual presidente da Unegro, Edson França, saudou a escolha da nova
presidente. “Para nós é super importante. Ângela é uma menina que ajudou
a construir a Unegro, ela é dirigente, foi membro da executiva
nacional. Bom seria que existissem mais Ângela. E melhor ainda se não
precisássemos comemorar algo que é tão comum para os brancos”,
declarou.
Confira abaixo a entrevista com Ângela:
Portal Vermelho: O que você aponta como principais conquistas da juventude, desde a criação do Conjuve, em 2005?
Ângela Guimarães: É
importante valorizar estes seis anos de existência do Conselho, porque
data deste período a institucionalização de uma política para a
juventude. Ali foi dado o start para que o Estado começasse a tratar a
juventude como prioridade, a pensar e executar ações de forma
articulada. Hoje temos nos diversos ministérios algum tipo de política
com recorte juvenil.
Desde a sua criação, o Conselho tem bandeiras concretas para garantir
direitos da juventude. Em 2010, por exemplo, conseguimos incorporar a
juventude na Constituição, através da Emenda Constitucional número 65.
[A Emenda inseriu o termo "jovem" no capítulo dos Direitos e Garantias
Fundamentais da Constituição, assegurando ao segmento direitos já
garantidos constitucionalmente às crianças, adolescentes, idosos,
indígenas e mulheres.]
Também conseguimos realizar dois grandes processos de participação
popular, as duas Conferências Nacionais da Juventude, além de articular
uma Rede Nacional de Conselhos de Juventude. Hoje, conseguimos dar
visibilidade às demandas da juventude enquanto segmento importante e
estratégico, que começa a ser tratado como sujeito de direitos e não só
com aquelas políticas que viam o jovem como um problema social – como
com política para droga, para violência –, que era uma marca comum até o
passado recente.
Portal
Vermelho: Você está assumindo agora, após a realização da 2ª
Conferência. Que bandeiras foram defendidas lá e agora devem colocadas
em prática?
Ângela: O
conselho é o guardião das resoluções da Conferência. E o conjunto das
propostas desta última Conferência demonstra duas coisas pelo menos. Uma
é a afirmação da pauta juvenil, porque a gente envolveu um grande
número de grupos, organizações e movimentos, então há uma pluralidade
grande de segmentos representados.
A outra coisa que ficou clara é uma preocupação da juventude não só com o
seu próprio destino – com seu acesso à educação, à cultura, ao esporte –
mas a preocupação com os grandes problemas nacionais. Então saíram
muito fortes dessa conferência as bandeiras pela democratização dos
meios de comunicação, pelas reformas agrária e urbana, por uma educação
que esteja a serviço do país, conectada com desafios do desenvolvimento
local e regional. Então são resoluções que mostram que os jovens pensam a
partir de suas próprias demandas, mas conseguem alargar suas bandeiras
para o Brasil como um todo.
Portal Vermelho: Qual a importância de conseguir aprovar o Estatuto da Juventude?
Ângela:
O Estatuto já foi aprovado na Câmara e na Comissão de Constituição e
Justiça do Senado. Já foi comprovada a constitucionalidade e agora ele
tramita em mais duas comissões. Vai para uma discussão mais de mérito,
que é a briga boa que vamos ter aí com nossos senadores.
O Estatuto normatiza e regulamenta os direitos da juventude. Porque, até
então, quando falamos que o jovem é sujeito de direitos, são quais
direitos? Onde está escrito isso? Assim como aconteceu com o processo
das crianças e adolescentes, que, a partir da aprovação do ECA,
impulsionou a responsabilização do Estado, a mobilização da sociedade, a
articulação para cobrar do Estado a concretização de direitos, para a
juventude isso também é real.
O Estatuto fala, por exemplo, do direito dos jovens ao acesso à
universidade. Porque o Brasil, apesar de ter dobrado a presença de
jovens nas universidades nos últimos dez anos, ainda está bem abaixo, em
comparação com outros países do continente. Então o Estatuto
regulamenta direitos que não estão explícitos em outros lugares. E vem
também para estabelecer os conselhos como espaço de articulação,
interlocução e controle social para monitoramento das políticas.
Porque, até então, a gente vive da boa vontade do governante e da
pressão política dos movimentos. Então há estados que têm conselho,
outros não. Por que não todos? Porque ainda não é uma política de
Estado, é uma política de governo. A principal vitória da aprovação do
Estatuto será isso, transitar de política de governo, para a política de
Estado. Assim como, num futuro próximo, também será a aprovação do
Plano Nacional de Juventude.
Portal Vermelho: Em que pé está o Plano e o que ele significa para a juventude?
Ângela:
O Plano existe e, assim como o Estatuto, tramita há sete anos no
Congresso. Mas ainda não saiu da Câmara. Vai ser nosso próximo objetivo
pós-Estatuto. O Plano estabelece os compromissos com o jovem - através
de metas, responsáveis, orçamentos do Estado brasileiro. Ali você ataca
as questões do acesso à educação de qualidade, do acesso à universidade,
ao mundo do trabalho, às condições dignas de trabalho. São instrumentos
fundamentais para amarrar as responsabilidades do Estado,
independentemente do governante que esteja no poder.
Portal
Vermelho: Você citou a questão do jovem no mercado de trabalho. Esta é
uma preocupação que será trabalhada pelo Conselho?
Ângela:
Tem outras duas pautas que eu queria chamar a atenção, que já vêm sendo
tocadas pelo Conselho, mas adquirem agora um ar de maior prioridade.
Uma delas diz respeito às políticas para o enfrentamento à violência,
que atinge a juventude em grande magnitude e, principalmente, a
juventude negra. Essa é uma bandeira dos movimentos, que vêm denunciando
isso há quase 30 anos. Esta bandeira apareceu como prioridade número um
da primeira conferência e também esteve forte da conferência do ano
passado.
O próprio governo hoje já projeta um conjunto de ações articuladas que
venham a atender essa demanda. Mas elas ainda estão em processo de
preparação, para serem executadas a partir de agosto. E o Conselho deve
entrar com bastante força aí. É uma questão urgente, um problema grave
nacional. Não combina o Brasil desenvolvido em que a gente vive hoje,
com esse alto contingente de morte, porque não estamos em guerra civil,
nem em nada que o valha.
Além do impacto humano, há um impacto econômico também. Há perdas
altíssimas para o desenvolvimento do país, porque o jovem está no seu
melhor momento produtivo e de desenvolvimento intelectual. Então você
está perdendo pessoas que estão deixando de contribuir com pesquisa, nas
universidades, no mundo do trabalho.
Portal Vermelho: E qual é a outra pauta que você queria destacar?
Ângela:
A outra é a implementação de uma agenda pelo trabalho decente para a
juventude, que é muito preciosa para a gente, pelo simples fato de que
vivemos no Brasil um nível de desenvolvimento que vem gerando cada vez
mais oportunidade de emprego formal. Mas persiste a situação de
precarização do trabalho do jovem, que é admitido com menores salários,
maior grau de exploração de sua mão de obra e altas jornadas diárias de
trabalho, que impossibilitam às vezes a continuidade dos estudos e um
mínimo de tempo livre. Além do problema da alta rotatividade também. Se o
mercado de trabalho tem algum refluxo, o primeiro a ser demitido é o
jovem.
Estamos discutindo há tempos com o Ministério do Trabalho, e há esse
compromisso do mais jovem ministro da Esplanada hoje, que é o Brizola
Neto, de que essa seja um pauta prioritária dele também. Ele tornou
público este compromisso na minha posse.
Portal Vermelho: Para levar adiante essa agenda será necessária a pressão da juventude?
Ângela: É preciso sim muita pressão, muita articulação, muitas
campanhas. Estamos pensando em como fazer. Essa gestão tende a ser uma
gestão bastante “campanhista”, como eu costumo dizer. A gente deve fazer
muita campanha, pela aprovação do Estatuto, da Reforma Política, por
exemplo, que foi outro tema que saiu como prioridade da Conferência.
Porque o jovem também está preocupado com os rumos da política no país.
Por exemplo, com tantos segmentos sobrerrepresentados, por outro lado, o
nosso Parlamento é o que tem o menor número de jovens, negros e
mulheres, que são grupos expressivos da sociedade.
Fonte: Vermelho